quarta-feira, 28 de março de 2012

De uma conclusão óbvia sobre o imprevisível...

Não duvido do poder das paixões, nem mesmo da coerente observação de Voltaire a respeito disso:

“Paixão é uma infinidade de ilusões que serve de analgésico para a alma. As paixões são como ventanias que enfurnam as velas dos navios, fazendo-os navegar; outras vezes podem fazê-los naufragar, mas se não fossem elas, não haveriam viagens nem aventuras nem novas descobertas.”

Contudo, no ponto mais alto das minhas limitações, ouso completar o pensamento do célebre e irônico pensador. Tenho certeza que o mesmo, como fez evidente em vida, poderia não concordar, mas lutaria até a morte pelo meu direito de falar.

A paixão apenas consiste em uma infinidade de ilusões quando chega ao fim... Caso contrário, viver uma ilusão pelos dias da vida faz de qualquer devaneio uma pura e sincera verdade.

E, parafraseando Fernando Pessoa, posso afirmar que “'Naufragar' é preciso” pois não basta navegar sem que algumas paixões sucumbam sob o oceano das corriqueirices da vida, dos acertos e erros individuais ou do simples acaso.

Bom, considerando então que as paixões enfurnam as velas dos navios, ao controle do leme defendo a coragem e a disposição para enfrentar qualquer tempestade, mesmo que alguma me leve à companhia dos abissais, entretanto, com o fôlego e a audácia de um destemido pirata, não hesitaria em emergir, tomar uma nova embarcação e deixar que o sopro de uma paixão verdadeira me guiasse a um destino novo, o qual encararia sem temores...

quarta-feira, 21 de março de 2012

Tudo que passa...

Passa o tempo e o homem passa a se encontrar. Bom, pelo menos em alguns casos.

Não se trata de algo fácil, tampouco de algo simples, contudo, é um processo pelo qual se vale a pena passar.

Bom, pelo menos em alguns casos...

Passa o tempo e o ardor das paixões juvenis passa, e passa também a fase inconsequente que chamamos de passado.
Bom, talvez não seja um passado tão passado assim, mas passou, ou vai passando...

Passa a vontade de estar com as pessoas apenas pela lataria, passa a vontade de trocar a noite pelo dia, passa a vontade de fazer picardia.

Bom, você já sabe, pelo menos em alguns casos...

Pois uma lataria desamassada vai ser castigada pelo tempo e, pensando nisso, se o interior não valer o esforço, nada mais valerá. Ah!em tempo, lembre-se que as dobras também irão se fazer presente em você e, por isso, torne-se minimamente interessante.

O tempo passa e passa a vontade de se viver muitos amores, você acaba querendo viver um só. É claro que o caminho pode dar errado e nada te impede de amar mais de uma vez, mas o objetivo agora é outro.
Passa até o olhar crítico sobre o romantismo pois, na medida em que o tempo passa, você pode até deixar de acreditar mas, no fundo, tudo que quer crer é que ainda é possível.

O ceticismo, esse não passa, mas ele vai evitar que você passe por coisas que não deseja mais passar.

Bom, isso é um fato. E se você ainda não passou por tudo isso, não encare como coisas que passam, mas como uma nova perspectiva que chega...

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O CASO DO JOÃO FLORÊNCIO

Eu costumo dizer que um homem sem medo nada mais é do que apenas um pretendente à morte prematura. Mas também acho que um homem que se deixa levar apenas pelo medo não precisa temer nada, pois de várias formas já morreu.
Essa é a história do João Florêncio, completamente real e que há muito eu queria escrever.

Chegamos na rodoviária (eu e meu primo Vinícius) por volta das 22h, nosso objetivo era deixar a prima Lela no embarque. Despedidas daqui e de lá, lá se ia a jovem estudante de medicina para Itaperuna. Enquanto isso cá ficava eu e meu primo.
Perto de nós, sentado no chão, um homem de aparência sofrida, cabelos desarrumados, pele queimada do sol e barba por fazer - dirigiu-se a nós:
- Ei! Você tem um trocado pra me ajudar?
Enquanto eu metia as mãos nos bolsos e constatava minha inteira falta de dinheiro, meu primo sacou um Bubaloo e disse:
- Tem chiclete, você quer?
- Pode ser.
Não sei a razão de se oferecer um chiclete para quem quer dinheiro para comer ou beber cachaça mas, independente disso, em menos de um minuto estávamos agachados ao chão junto dele. Sua camisa jogada em cima da perna deixando aparecer apenas um pedaço do gesso atiçou nossa curiosidade.
- O que aconteceu com sua perna, rapaz? - perguntei.
Antes de responder ele levantou a velha camisa listrada e eu confesso que nunca vi tantos parafusos em uma perna.
- Eu tava durmindo no relento e fui atropelado.
- Você estava dormindo na calçada e foi atropelado, como assim? - eu nao acreditava.
- Bom - disse ele - metade do meu corpo tava na calçada, a outra metade tava na rua mesmo.
Nesse instante eu constatei que provavelmente ele caiu bêbado em qualquer lugar e dormiu por ali mesmo. Resolvi fazer uma pergunta idiota:
- E aí, doeu?
- Doeu tanto que eu nem senti dor!
Nao segurei o riso e perguntei o nome da peça rara que se apresentava na nossa frente.
- Meu nome é João Florêncio!
- Ô rapaz - o nome me surpreendeu - meu vai se chamava Florêncio!
- Então nós somo parente! - ele ficou alegre com a constatação.
Tentei explicar que não, mas acabei concordando com o parentesco para não desapontá-lo.
- Então, João Florêncio, o que mais aconteceu com você?
- O pessoal da ambulância tentou me matar! - novamente eu fiquei surpreso.
- Calma João Florêncio, me explica isso.
Nesse ponto eu percebi que teria que traduzir parte da história e interpretar coisas que apenas na cabeça dele tinham acontecido, pelo menos daquela maneira. Ele mexeu nos cabelos e eu pude ver uma baita cicatriz na cabeça do cidadão em questão.
- Tá vendo? - disse ele - O pessoal da ambulância chegou e me jogou de qualquer jeito!
É bem provável que o machucado da cabeça tivesse sido consequência do caminhão que o atropelou, mas eu não queria contradizê-lo.
- E aí, como foi no hospital?
- Acharam que eu tava morto. Quanto eu acordei no necrotério a enfermeira quase morreu de susto.
- No necrotério João Florêncio???
- É, tava um frio do caramba!
O pobre João Florêncio acordou na enfermaria, com a perda de sangue veio o frio e com o costumeiro descaso da nossa sociedade com os menos favorecidos... ele logo achou que o já tinham dado como morto.
- Tudo bem, você acordou e cuidaram de você. Certo?
- Rapá! Eu sou lá de Juazeiro, lá eles tentam matar gente pobre igual eu. Deram veneno pra mim no hospital!
- Como assim João Florêncio?!
- Colocaram um negócio na minha veia e me deram uma comida que me faz passar mal.
Eu não pude evitar a seguinte pergunta:
- Você teve diarréia?
- Diarréia, eu caguei o quarto todo! - eu quase fiz o mesmo de rir nessa hora.
E o nosso digno cidadão continuou:
- A sorte é que uma conhecida do hospital tomou as providência pra ninguém me matar. Aí cuidaram de mim.
- Que bom João, e como você veio parar aqui em Governador Valadares?
- Comprei duas passagens e vim de ônibus ver minha irmã. Mas tentaram me expulsar do ônibus no meio da viagem.
Eu já não conseguia me conter. Mas o que entendi foi que ele comprou as passagens até o meio do caminho. As duas passagens eram necessárias por causa da perna. O coitado contou com a colaboração de alguns passageiros e conseguiu seguir viagem.
- Onde mora sua irmã?
- Num bairro chamado São Pedro.
A intenção da pergunta era ver se podíamos ajudá-lo.
- Qual o endereço?
- Não tenho endereço e nem telefone.
- Rapaz, esse é um dos maiores bairros de Valadares, como você vai fazer?
- Não preocupa, eu dou um jeito.
Por alguns segundos a conversa cessou e foi o suficiente para eu pensar na história daquele sujeito sujo, com cheiro de suor e um punhado de parafusos na perna. Acabei ponderando com ele.
- João Florêncio, desculpa, mas você é azarado pra caçapa!
- Não sou não!
- Como não? Você foi atropelado dormindo na calçada, o pessoal da ambulância te machucou, tentaram te matar no hospital e queriam te expulsar do ônibus! Como você não é azarado?
E João Florêncio respondeu:
- Graças a Deus eu estou aqui e vou continuar, poderia ser muito pior.
E a partir daí eu não consegui falar mais nada. João Florêncio nos deu uma lição. Um caminhão passou por cima da sua perna, o socorro feriu sua cabeça, ele cagou no quarto do hospital inteiro, ele foi convidado a se retirar de um onibus em uma viagem de mais de um dia e ainda assim não perdeu o sorrido e nem a fé.
A conversa se seguiu com ele nos explicando que tipo de cachaça deveríamos comprar quando quiséssemos beber algo de qualidade. E no mais, João Florêncio se tornou uma história da qual nunca vou me esquecer.